Sonhadores, delícias e angústias da adolescência | Blog e-Urbanidade

Ana Luiza Cardozo
3 min readJul 10, 2020

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Sonhadores — Foto: Divulgação / Obá Cacauê

Ainda está para nascer época tão confusa e tumultuada quanto a passagem da infância para a adolescência. A transição propõe uma verdadeira revolução interna, levando à descoberta de uma individualidade crua, desafiadora e pronta para ser lapidada pelo fluxo tortuoso da vida. Sonhadores é sobre isso.

A minissérie brasileira acaba de estrear no Amazon Prime Video, em oito episódios cuidadosamente escritos e dirigidos por Julia Ferreira. A produção, realizada por meio de um edital da Ancine junto à Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, é uma comédia dramática autobiográfica e tem o poder de nos transportar para esses tempos tão caóticos.

Rafa ( Brunno Pastori), um menino criativo de 14 anos, encontra no pai, Miguel ( Fernando Alves Pinto) sua maior inspiração. Ambos artistas, roqueiros, com a mente em constante criação de uma realidade própria.

O garoto se divide em dois mundos quando a mãe, Ângela, em atuação destacada de Aicha Marques, decide pela separação. Inteiramente responsável pela casa, ela se cansa das tendências escapistas do marido negligente e egoísta, que não a ajuda e vive sempre na mesa do Bar do Monstro com os amigos Monstro ( Mário Bezerra), Bola ( Rodrigo Luna), Marcão ( Amós Heber) e Zinho, interpretado pelo ilustre Antonio Pitanga.

Sonhadores — Foto: Divulgação / Obá Cacauê

Rafa é um personagem singular, que traz autenticidade e ares novos para um tema batido. Há algo de estranheza oferecida por Brunno Pastori que se encaixa perfeitamente na personalidade desajustada e introvertida do garoto.

O interessante é que este desajuste vem de sua autenticidade e coragem de ser diferente numa fase na qual desejamos ser iguais, sempre em busca de aceitação. O adolescente é amparado pelos amigos Anita ( Giulia Nunnes) e Willianson ( Evaldo Macarrão), boas adições à história que poderiam ser mais exploradas numa eventual segunda temporada.

O mundo excêntrico do menino é recheado de referências do rock, incluindo o glam, o punk e a psicodelia. Sua esquisitice nos remete a um jovem Tim Burton, que parece ter sido referência para a diretora na construção imagética de Rafa. Não só dele, como de todo o ambiente, inteiramente baiano.

“Não tem nada a ver com a Bahia de Jorge Amado. É uma outra Salvador, bem urbana e cinzenta, chuvosa. E mostra muito a cena rock de Salvador, com referências a Raul Seixas e Camisa de Vênus”, afirmou Julia Ferreira em entrevista ao Jornal Correio, no ano passado. Percebe-se.

Falando em imagem, a preocupação da diretora com a estética e fotografia da minissérie é perceptível. Temos ângulos muito bem utilizados para compor as viagens do protagonista e vemos escolhas visuais minuciosamente pensadas. Não temos uma grande produção, mas a sensação é de que se fez muito com pouco, coerente com a proposta da minissérie. A singeleza, inclusive, oferece certo charme para o trabalho.

Com visual apurado e trama inteligente, Sonhadores também fala sobre temas pertinentes a qualquer fase da vida, como bullying, sexualidade, depressão e drogas. A história é de um garoto de 14 anos, mas a narrativa está longe de ser infantil.

Apesar da forma descomplicada (por vezes, rasa) da abordagem, as situações vividas pelo garoto e sua família geram reflexão. Um feito da minissérie que acaba num piscar de olhos, deixando a todos, sonhadores ou não, com o gostinho de “quero mais”.

Onde assistir
Sonhadores — Amazon Prime Video

Oito episódios, com duração de 15 a 19 minutos cada. Com roteiro e direção de Julia Ferreira e produção de Fabíola Aquino, responsável pela Obá Cacauê Produções.

Trailer

Originally published at https://www.eurbanidade.blog.br on July 10, 2020.

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Ana Luiza Cardozo

Internacionalista se aventurando pelo mundo do Jornalismo. Gosta mesmo é de contar e colecionar histórias!